sexta-feira, 23 de junho de 2017

Confluências políticas da pequena burguesia: o antipetismo de direita e de esquerda (Parte 2)

Por Cesar Margolin (*)


O artigo pretende contribuir com a análise do processo que culminou no golpe que derrubou o governo da presidenta Dilma Rousseff e na sua caracterização de classe e, particularmente, expor em linhas gerais duas expressões políticas da ideologia pequeno burguesa que estiveram na base do apoio ao golpe, uma do campo da direita e outra do campo da esquerda.


O antipetismo de direita e de esquerda


“A culpa é da Dilma!” - O antipetismo de direita
- Os neomilitantes de direita tomaram problemas seculares do Brasil como se fossem obras dos governos do PT e até atribuíram à presidência da República responsabilidades de outras instâncias, como ocorreu com a falta de água em São Paulo e os problemas com a segurança pública. O bordão “a culpa é da Dilma” se tornou a chave para expor todo tipo de preconceito e dar vazão a discursos violentos contra os mais vulneráveis socialmente. Há um nível muito alto de agressividade entre esses militantes, o que torna a tentativa de argumentar e tratar desses temas um esforço quase inútil.


A movimentação da grande mídia, de partidos e políticos tradicionais com “capivaras” imensas, do judiciário e de uma massa de manobra histérica pareceu ser a de gente que só recentemente começou a viver e perceber as mazelas do tipo de capitalismo que se desenvolveu no Brasil. Embora falem em nome de algum Brasil, fica claro pelo que defendem que não incluem o Brasil da população que mais sofreu, pela marginalização e empobrecimento contínuos, com a dragagem das nossas riquezas naturais e com a concentração da riqueza gritante e secular.


Essa massa de manobra essencialmente pequeno burguesa não faz parte, obviamente, da seleta elite que concentra em suas mãos o grosso da riqueza social produzida. Mas seus militantes de direita repetiram chavões e palavras de ordem sem sentido e serviram de base para a crise política que interessava apenas a determinados setores do grande capital. Foram e são apenas marionetes dele. Como disse João Quartim de Moraes, “É evidente que os empreiteiros do golpe só prosperaram porque conseguiram manipular com êxito frustrações, ressentimentos e ódios do reacionarismo latente nos setores mais obscurantistas e empedernidos da pequena burguesia (ou “classe média”, como dizem muitos)” (Moraes, 2016).


Os governos do PT atenderam, sem dúvida, prioritariamente aos interesses de uma fração do grande capital, afinal, foram governos dentro da ordem burguesa, que dirigiram o Estado capitalista. Mas ao deslocarem esforços e recursos no atendimento a populações deixadas de lado por nosso processo histórico, deslocaram recursos dos cofres do grande capital que sempre tem espaços vazios para serem ocupados. A separação de dinheiro público e privado, assim como em última instância as noções de público e privado são, sem exceções, apenas definições jurídicas e não parece ser necessário lembrar que a estrutura jurídico-política não existe em separado da estrutura econômica e da estrutura ideológica, servindo, portanto, para a reprodução das relações capitalistas de produção (sobre uma discussão teórica mais aprofundada sobre o tema da corrupção ver Boito, 2017).


Mas os que apoiaram o golpe pela direita não sofreram apenas de uma dificuldade de compreensão da realidade: esses limites estão postos também para boa parte dos que lutaram contra o golpe. Em síntese, o antipetista de direita sabia que o processo não tinha nenhuma relação com a luta contra a corrupção. Ele saiu às ruas com a camisa da CBF, tirou fotos com a polícia sorridente, gritou “somos todos Cunha” e dançou em volta do pato da Fiesp. O golpista apoiou a perseguição a lideranças do PT porque eram do PT, porque odeiam qualquer coisa que cheire a trabalhador, ainda que eles mesmos sejam, no geral, trabalhadores. Odeiam a melhoria das condições de vida dos mais pobres porque isso lhes ameaça os canais tradicionais de manutenção como pequena burguesia; mas odeiam também porque perdem aquela parcela da população que pode lhes servir em troca de um prato de comida ou de qualquer punhado de moedas, como bem mostrou a reação das  “madames” quando direitos trabalhistas básicos passaram a vigorar para o trabalho doméstico.


O problema é que a pequena burguesia possui um sonho e um medo: o sonho é do aburguesamento individual; o medo é o da proletarização. Tudo o que ocorre para esse insano grupo de pessoas é creditado apenas e tão somente como produto do seu mérito pessoal, não podendo reconhecer, portanto, que as mudanças que ocorreram nos últimos anos no Brasil melhoraram também sua vida. Mas o sonho de ser burguês e o medo de se proletarizar envolve o que é individual e o que é coletivo: enriquecer deve ser algo individual, porque os ideais de sucesso gestados na ordem capitalista não passam apenas pela aquisição de bens materiais, mas necessariamente por algum grau de distinção, para que a riqueza seja ostentada e reconhecida. A proletarização é coletiva e nesse caso não significa empobrecimento. Para a pequena burguesia, o acesso de camadas empobrecidas da população a condições mais razoáveis de vida, o acesso a espaços que lhes foram sempre bloqueados, a determinadas carreiras, determinados serviços, enfim, a proximidade dos “pobres” que já não vão aparecer tão pobres assim joga areia no seu projeto individual, amplia a concorrência, faz com que se percam os canais tradicionais de sua manutenção e justificação em determinados postos e carreiras (particularmente aqueles justificados pela certificação escolar).


Por isso que no momento em que sentiram os primeiros efeitos da crise econômica batendo em suas portas reagiram com tanta raiva aos programas sociais, com tanta raiva contra as cotas sociais, com tanta raiva contra governos como os do ciclo petista, sendo facilmente arregimentados por partidos e organizações de direita, ainda que os interesses da pequena burguesia e os do grande capital não sejam coincidentes.


“Viuvez ou adultério?” -  O antipetismo de esquerda - 
Dilma concorreu nas eleições de 2014 com outros 10 candidatos. Seis deles eram ex-petistas: Eduardo Jorge (PV), Marina Silva (PSB), Luciana Genro (PSOL), José Maria (PSTU), Mauro Iasi (PCB) e Rui Costa Pimenta (PCO). Nenhum deles apoiou o PT no segundo turno.


Os dois primeiros já estavam no colo da direita e se juntaram ao PSDB. O PSOL, que teve o mérito de pelo menos perceber as contradições do processo, liberou a militância para o voto, desde que não fosse em Aécio (PSDB), restando, portanto, o voto em Dilma ou a anulação, voto em branco ou abstenção. Os dois partidos trotskistas e o PCB declararam o voto nulo.


Claro que há razões apenas políticas (ainda que equivocadas) para a tomada de posição desses partidos, mas como não pensar que a coincidência dos ex-petistas não agrega ao jogo uma pitada de questões subjetivas?


Nossa posição aqui reflete dois problemas distintos: de um lado, a consideração do PT como um partido socialdemocrata, portanto, sem nenhum compromisso com a causa dos comunistas (tema que valeria ser mais bem explorado em outro texto, mas que não é nosso objetivo aqui); de outro, a percepção da formação de uma esquerda antipetista, que para além dos rancores de alguns dos seus dirigentes pela militância pregressa no próprio PT (que podem ser minimizados em contextos não eleitorais, mas não desprezados), descambou para os desvios de esquerda, ou o esquerdismo.


Alguém um dia criou a alcunha “viúvas do PT”. Independente daquele contexto, poderíamos pensar hoje que existe gente sofrendo de viuvez ou dos dramas do adultério: a viuvez faz lamentar aquele que não voltará jamais; o traído vive a mistura da saudade e do rancor raivoso por aquele que um dia acreditou ser o companheiro ideal para seguir até o final dessa jornada. Caso caiba aqui um dado da experiência pessoal, lembro bem no começo da década de 1990 como muitos dos que hoje engrossam as fileiras das organizações esquerdistas e de partidos de direita declaravam a certeza e o amor à alternativa popular e (na cabeça deles) revolucionária que significava o PT.


Viuvez ou adultério, pouco importa: o fato mesmo é que o campo do esquerdismo é composto por partidos que saíram de dentro do PT (PSOL, PSTU e PCO) ou que recebeu militantes oriundos do PT (como o caso do PCB) ali na metade do primeiro mandato de Lula, que passaram a cumprir importantes papéis de direção e participaram de mudanças qualitativas na linha política e na organização. As referidas organizações possuem o mérito de manterem, afirmativamente, a bandeira do socialismo e a compreensão da necessidade do processo revolucionário vivos, mas que (e por razões diversas) não conseguindo participar das lutas concretas e das contradições realmente existentes em nossa conjuntura, atuam negativamente com relação à própria possibilidade de avanço desse processo, embora ressalvas devam ser feitas a setores do PSOL e ao PCO, que têm feito algum esforço em participar, a seu modo, da vida concreta. Além de PCB, PCO, PSOL e PSTU, há mais uma porção de “coletivos”, “agrupamentos”, “ligas” e outras coisas que possuem, cada qual a sua maneira e de forma cada vez mais isolada, um belo discurso revolucionário e “vanguardeiro”. Quanto menores e mais distantes da realidade, mais esses pequenos grupos se apresentam como os portadores da verdade revolucionária.


Confundindo a realidade objetiva com a própria vontade (como é próprio do esquerdismo) esses grupos confundem o objetivo revolucionário (estratégico) com as mediações necessárias e cambiantes de cada conjuntura (a tática): ao afirmar a necessidade da revolução, afirmam também que as condições para que ela ocorra já estão presentes, atribuindo aos traidores da classe (como é próprio do trotskismo) ou a pequenos ajustes conjunturais a razão do seu atraso. Não é raro dirigentes dessas organizações verem a “o proletariado revolucionário” em ação nas ruas, mesmo quando temos apenas uma manifestação massiva e plena de contradições com tendências majoritárias à direita como foram as tais “jornadas de junho” de 2013.


Essas organizações, no conjunto, representam a outra face ou possibilidade da manifestação política da pequena-burguesia: o revolucionarismo pequeno-burguês. Mesmo que tenham participado daqueles eventos de 2013, por exemplo, a reboque de agrupamentos da direita e a duras penas com seu reduzido número de militantes, essas organizações e militantes tendem a ver-se como a essência cristalina e pura da transformação revolucionária como mero ato subjetivo da vontade. Não conseguiram explicar até hoje como o “proletariado revolucionário” das ruas de junho apareceu depois, nas urnas, como eleitor de Aécio Neves e de Marina Silva e, depois, como a base social que pediu o impeachment de Dilma e até a ditadura militar. Insistem apenas em proclamar-se os fiéis representantes da “rebeldia das ruas”, ainda que ela não tenha ocorrido em canto algum ou ainda que a “rebeldia” seja politicamente de direita. O inimigo comum – o ciclo de governos petistas - permitiu com que a pequena burguesia se unificasse nas suas manifestações políticas mais extremadas: o revolucionarismo esquerdista e o fascismo, o primeiro a reboque do segundo. A letargia dessas organizações esquerdistas com relação a escalada de direita e seu apoio prático ao golpe são os sintomas da sua ausência de realidade, de sua incapacidade de análise concreta da situação concreta, de posições moralistas (o famoso “isso é culpa do próprio PT…”) e de um ranço que apenas pode ser compreendido como subjetivo e que cega a todos ou parte de seus dirigentes.


Há dois argumentos rápidos que devem ser apresentados para exemplificar os argumentos contrários ao esquerdismo. Um deles é socioeconômico, mais óbvio e já mencionado mais acima; outro é somente político.


No primeiro caso, retomemos o argumento de que o governo de Dilma e os governos do PT tiveram problemas que precisam ser bem criticados. O partido ajustou-se perfeitamente à lógica do jogo capitalista, assim como todo e qualquer governo anterior, assim como todas as instâncias pelo país afora, assim como quase todos os partidos. Mas foram governos que jamais pretenderam ou prometeram fazer além do que fizeram: gerenciar o capitalismo brasileiro concedendo ou reconhecendo alguns direitos a mais aos trabalhadores e às populações mais empobrecidas. Nisso todos os que são do campo da esquerda estão plenamente de acordo. O problema é que isso não é pouco e, muito menos, desprezível. Aí está o problema! Um documento do PCB, por exemplo, que defendia o voto nulo no segundo turno da eleição presidencial de 2014, afirmava que Aécio e Dilma eram iguais: Dilma era capitalismo com mais Estado, Aécio com menos. Burrice: o que chamaram de maneira imprecisa de “mais ou menos Estado”, nas nossas condições objetivas, significou retirar ou lançar muita gente na miséria absoluta e isso deveria interessar bastante aos que lutam ao lado dos trabalhadores.


Constatar que os governos de Lula e Dilma serviram ao grande capital é como afirmar com tom de descoberta científica que fogo queima e água molha. Não apenas o de Dilma e Lula, mas também os de FHC, de Collor, de Sarney, os dos generais da ditadura. Para marxistas deveria ser bem óbvio que, dentro da ordem burguesa, não apenas o Estado, mas toda a estrutura jurídico-política serve ao grande capital. O mesmo serve também para o tratamento dos limites dos processos eleitorais dentro dessa ordem. O que falta aqui é perceber, a partir da análise da nossa conjuntura e não da que a vontade desejava que existisse, que a ordem burguesa, assim como o processo revolucionário, não são estáticos, portanto, são plenos de movimento e de contradições. É tendo como referência o objetivo estratégico que as mediações com a vida real precisam ser construídas. Isso significa participar da vida e das lutas do cotidiano dos trabalhadores, das condições severas e adversas que abrem as possibilidades de avançar um passo aqui e recuar outros ali. Significa atuar em todas as contradições possíveis dentro da ordem burguesa, no sentido de aguçá-las ou, no mínimo, de torná-las de alguma maneira movimentos com resultados favoráveis aos trabalhadores.


Não podemos afirmar que os governos Lula e Dilma foram iguais aos governos de FHC. O esquerdismo é leviano e irresponsável quando faz isso. Há, sem dúvida, uma melhora nas condições de vida dos trabalhadores, em particular dos mais empobrecidos. Mudanças que, aliás, têm mudado o cenário de alguns cantões do Brasil, utilizados até pouco tempo como reserva de votos de legendas da direita, como o DEM. Ocorreram mudanças, mudanças qualitativas, que abriram novas contradições, tanto entre frações do capital (como vimos), como para a atuação dos setores mais avançados da esquerda, com possível acesso a áreas e a contingentes de trabalhadores que, tendo necessidades básicas sanadas, abrem-se também para a possibilidade de outras soluções. Apenas com forte trabalho e a partir dessas novas possibilidades há construção efetiva de organizações revolucionárias e a possibilidade, no longo prazo, da retomada concreta da perspectiva socialista.


Mas se não bastassem essas novas e as antigas possibilidades que se abriam para que a tomada de posição em defesa desses governos e contra golpe ocorresse, pelo menos seria razoável considerar a situação daqueles que estão mais fragilizados pela pobreza extrema. Ainda que sejamos ainda um país de pobres, esse período recente conseguiu retirar da fome milhões de pessoas. Isso somente é um dado secundário para a pequena burguesia (de direita e de esquerda). A preservação de programas sociais e a luta popular para que avançassem deveria ser uma bandeira de luta das organizações mais avançadas.


Isso nos remete ao segundo argumento
, que esclarece o esquerdismo e o antipetismo de esquerda, que serviu de base ao golpe. Há confusão entre elementos teóricos que utilizamos para pensar o modo de produção capitalista e a conjuntura política, que é cambiante. Exemplo para ir ao cerne da questão: o Estado, segundo Marx e Lênin, é sempre um Estado de classe. De alguma forma, a existência do Estado sempre será a ditadura de uma classe sobre outras, o “comitê executivo” da dominação de classe. Isso vale também para as formações sociais capitalistas. Mas essa que é uma ditadura de classe pode ser velada pela forma da democracia burguesa em períodos mais ou menos longos, sem perder, obviamente, suas características essenciais. O elemento fundamental que faz com que essa ditadura de classe seja obrigada a conviver com maiores ou menores liberdades democráticas é a luta de classes. Objetivamente, é a capacidade de organização política dos trabalhadores que força, alterando a correlação política de forças, conquistas sociais e também espaço de ação política. Somente os tolos podem acreditar que as condições de uma ditadura escancarada podem ser mais favoráveis à organização dos trabalhadores que as possibilidades de ação “abertas” pela democracia burguesa.


Era com a compreensão desse cenário que deveriam atuar com todas as forças contra o golpe  todas as organizações dos trabalhadores. Isso não fez e não faria ninguém virar petista (ou retornar ao PT) e nem se tornar “governista”: seria apenas atuar na nossa conjuntura politicamente e não de forma moralista, tendo clareza da nossa realidade concreta, atuando e aguçando suas contradições.


Engrossar o cordão da direita fazendo oposição pela esquerda é sempre um suicídio político. O antipetismo de direita e de esquerda falam línguas diferentes, mas falam e falaram a mesma coisa: a deposição da presidenta representou um grande retrocesso para os trabalhadores brasileiros e é apenas um esforço bastante estúpido e infantil tratar disso analisando “culpas”, ou afirmando que esse problema não é dos revolucionários.


Claro que essas organizações (novamente com a parcial exceção do PSOL) não possuem força política que poderia ser decisiva para impedir o golpe, o que não diminui sua responsabilidade como organização política. Essa fraqueza orgânica apenas revela que o esquerdismo não consegue adesão fora dos círculos pequeno burgueses. Essas organizações são compostas majoritariamente por professores, estudantes e funcionários púbicos. Repensar a tática, atuar na conjuntura concreta, sem a postura moralista e infantil que tem marcado suas resoluções, é o único caminho e possibilidade de terem alguma relevância política. Os partidos trotskistas jamais compreenderão isso.


Mas o esquerdismo é implacável. A ausência de estrutura material e o desigual acesso aos meios de comunicação de massa justificam parcialmente a parca votação das candidaturas das organizações esquerdistas nas eleições e sua baixa inserção nos movimentos populares. Mas devemos também considerar suas dificuldades em dialogar com os trabalhadores e de participar dos problemas e das lutas cotidianas. Ao apresentar apenas o horizonte estratégico (socialista), sem as devidas mediações, essas organizações acabaram por se fechar ainda mais no universo pequeno-burguês, cujo radicalismo combina bem com sua linha política escatológica. Orgulham-se de não fazer política porque assumem o dever (moralista) de não lidar com nada que não seja diretamente a revolução. Como ela não chega logo, da mesma maneira que para os cristãos Jesus demora em voltar, vivem de apontar os dedos para os que se maculam nas fétidas águas da realidade objetiva. E tocam a vida satisfeitos e plenos de razão.

Portam-se como quem chega virgem aos cem anos e nada mais lhe resta a não ser autovalorizar a própria pureza, ainda que ninguém se importe com isso.


Considerações finais


Para poder concluir, é necessário reafirmar que o governo de Dilma Rousseff foi derrubado por seus méritos, não por outro motivo. É necessário ir para além das facilidades da análise para compreender sua real dimensão e sentido. É ser rasteiro e leviano tanto afirmar que era um serviçal governo de direita que perdeu a importância e foi descartado, como fazem os esquerdistas, quanto alegar que os governos do PT são os mais corruptos da história e que quebraram o Brasil, como faz o antipetismo de direita.

Foi um golpe dado contra a nossa frágil democracia, que favorece a organização e ação popular, um golpe dado contra as conquistas sociais, um golpe dado contra os avanços da luta contra o racismo, um golpe dado contra os avanços do movimento feminista, um golpe dado na luta contra a homofobia. Fundamentalmente, um golpe violento contra os cantões do Brasil, um golpe que vai interromper mudanças fundamentais que trouxeram condições mínimas de dignidade para uma parcela considerável da população brasileira. Um golpe que pretende recriar no Brasil as condições para a acentuação da exploração dos trabalhadores e das nossas riquezas pelo grande capital estrangeiro, com a retomada do projeto neoliberal e como as reformas propostas têm demonstrado.

Por enquanto, vale a constatação de que os neomilitantes da direita e os do esquerdismo preferem facilidades: análises de lógica formal, sem contradições. Um programa redondinho e internamente coerente, ainda que não tenha relação com a realidade.

Valeria aos que histericamente pediram o impeachment de Dilma ou aos que desdenharam do golpe pensar um pouco nos pressupostos do que chamam de “limpeza” da política ou de “nova” política e nas soluções para nossos problemas mais graves. Caso sejam capazes de fazer isso, descobrirão que as soluções que andam apoiando representam um passo atrás muito perigoso. Que as marionetes pequeno-burguesas desse jogo anti-popular que estão dispostas em extremos à esquerda e à direita percebam que há tempos deram os braços e ajudam a abrir as portas do seu próprio abismo.

Referências Bibliográficas
BOITO, Armando. “A crise política do neodesenvolvimentismo e a instabilidade da democracia”. Revista Crítica Marxista. Campinas, nº42, jun., 2016.
______. “A corrupção como ideologia”. Revista Crítica Marxista. Campinas, nº44, jun., 2017.
LÊNIN, Vladimir Ilitch Ulianov. “A doença infantil do 'esquerdismo' no comunismo”. LÊNIN, Vladimir Ilitch Ulianov. Obras escolhidas – volume 3. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980. p. 275-349.
MORAES, João Quartim de. Base de massas e tropas de choque do golpismo. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=7690&id_coluna=24 . Acesso: 25 de maio de 2017.
POULANTZAS, Nicos. Pouvoir politique et classes sociales. Paris: François Maspero, 1968.
______. Fascismo e ditadura. Porto: Portucalense, 1972, 02 volumes.


(*) Mangolin é doutor em Filosofia (Unicamp) e professor universitário


___________________
Leia a primeira parte deste artigo:
Confluências políticas da pequena burguesia (Parte 1)

Nenhum comentário:

Postar um comentário